segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Entrevista a Rui Luís Brás




Entrevista feita por mim e pelo meu colega Diogo Filipe ao meu amigo, Rui Luís Brás para o site www.novelasnacionais.com:

Como chegou ao instituto franco português?

Eu estudava na Cidade Universitária na altura, estava a fazer o 12º ano, estava a tentar ingressar no conservatório e havia uma colega da minha turma que estava lá a estudar teatro e estavam a precisar de mais um actor e ela sabia que eu queria ser actor e então chamou-me e eu fui lá falar com o encenador, Danielle Burront, e comecei a fazer teatro lá.

Como é trabalhar com o produtor, Felipe La Féria?

Na altura não trabalhei com ele como produtor, trabalhei em 89 e fiz uma peça dele na fundação Gulbenkian chamada “Ilha do Oriente”, com textos de Mário Cláudio e tinha vindo do Teatro Aberto nessa altura e fui directo para lá e pronto a trabalhar com o Filipe (silêncio) … O Filipe é um encenador de imagens, é um encenador que me ensinou um bocadinho a perspectiva de me ver de fora, de conseguir ir pesquisar mais o método e derrepente ele obrigou-me a perceber o outro lado de ser actor. Um actor é um toureiro e portanto, enfrenta o público, seja grande, seja maior, no sentido da auto confiança, fez-me algum bem, mas sobretudo aprender a ver-me em cena mas de fora, que imagem é que terá saído de mim quando eu faço um determinado gesto ou quando eu digo algo. Foi um processo muito pacífico apesar do Filipe ser uma pessoa muito nervosa. Como produtor trabalhei agora porque tive a encenar o “Meu pé de Laranja Lima” lá para o Teatro Politeama e obviamente que foi uma relação menos densa no sentido em que eu estava como encenador e ele a encenar o “West Side Story”, portanto tivemos discussões artísticas sobre diversas coisas, nomeadamente, a cenografia e tal e obviamente que não foi um processo muito fácil mas acabou bem. Mas sinto-me muito honrado pelo convite do Politeama e pela parte do Filipe por ter feito lá o espectáculo.

Para si o que significa a cidade de Macau?

É a minha terra! Macau, eu vivi 9 anos em Macau a ir e vir nos anos 90. Fui lá fazer um filme, fiquei lá a viver e a dar aulas e basicamente só dava aulas porque trabalho como actor só tive um porque não há praticamente trabalho de actor em Macau. Não é muito comum. É uma cidade, era um cidade cheia de mística, muito agradável de viver, com imensa qualidade de vida, uma espécie de aldeia pequenina onde havia tudo, onde conhecias toda a gente, e vivias com muita tranquilidade, não precisavas de usar carro, era tudo perto, para além de ter uma ambiência muito especial, que me fez descobrir que eu afinal tenho gosto ou raízes muito pró asiáticas e que foi um grande sofrimento ver a bandeira a descer no dia em que Portugal reintegrou na China. Macau que nunca foi uma colónia, foi sempre um território ofertado pelos chineses para o comércio português, era uma parte portuguesa. Nunca entendi porque é que Macau entretanto foi entregue porque não havia razão. Era um sítio até politicamente muito específico, à margem, e quando lá voltei há 3 anos foi uma desilusão muito grande porque Macau está muito bonitinho hoje mas é uma terra de cavinda, é uma Las Vegas, perdeu toda a identidade, todos os sítios onde eu costumava ir, a escola onde eu dei aulas, muitas coisas a serem destruídas, as ruas a mudaram completamente de características, foi um bocadinho aflitivo. Eu não me revejo na Macau de hoje. Macau mais pequenina, mais bonita, mais mística, essa é que era a minha terra.

Acha que é uma cidade inspiradora?

Era uma cidade muito inspiradora porque estava cheia de um tipo de pessoas. E sempre me dei mais com chineses do que com macaenses. Mas os poucos amigos portugueses que tinha e foram alguns, eram um tipo de emigração muito específica, gente muito interessada e que amava estar ali. Naquela altura as pessoas não iam lá basicamente por dinheiro, pelo menos os meus amigos que estavam lá há 20 ou 30 anos, constituíram família ali, tinham os amigos ali, eram ex-hipis, pessoas muito cultas, muito artistas, e eu gostava muito porque havia tertúlias interessantíssimas quando estávamos a beber copos e a conversar até às tantas e muito gosto por pintura e literatura, o que é muito raro às vezes no nosso corre-corre hoje em dia de retomar. E Macau para mim…

Porque decidiu ser actor e hoje em dia encenador?

Não sei. No caso de como actor foi uma cena muito vocacional desde miúdo. Nem eu sei explicar porquê! … Já encontrei muitas explicações para isso mas o gostar de me transformar, de ser outras pessoas, de perceber o ponto de vista dos outros é dado como psicólogo. Acho piada mesmo na vida com os meus amigos. Ser ouvinte… dar apoio e portanto eu acho que isso transborda na minha profissão para o acto que eu acho que é maravilhoso de recriar o ser humano usando o teu corpo como instrumento e transformares-te noutra pessoa que não és tu e emocionares-te pelo pensamento dela, acreditares no que ela diz. Epá, não sei o porquê? Foi vocacional. Ser encenador nunca tinha pensado. Começar a dar aulas de teatro e muitas vezes estares a trabalhar um texto e os alunos querem apresentá-lo à família e ao resto da escola obrigou-me lentamente a ter que pôr em cena, porque achei que era legítimo o pedido deles, esta ou aquela peça e daí descobri um prazer muito maior que é o de gostar muito mais de estar de fora a encenar e a dirigir outros actores não pela encenação mas pelo facto de dirigir outros actores. Não era de todo o espectáculo que me entusiasmava mas sim fazer direcção de actores e acho que o tempo vai passando e eu gosto muito menos de estar no palco e muito mais de estar fora do palco.

Qual é a área que mais gosta? Cinema, teatro ou televisão?

Se pudesse fazer só cinema era isso que faria e encenar teatro. Fazer muito pouca coisa como actor. Claro que há textos e há coisas específicas que dão um gozo imenso de fazer. Agora… das três à partida, acho que prefiro cinema e é aquela em que eu há mais tempo não trabalho. Tenho feito pouca coisa e pontual. No início da carreira fiz imensa coisa, portanto, cinema estrangeiro, pequenas personagens. Gostava muito porque é um tipo de trabalho com uma especificidade de acting que tem mais a ver com a minha maneira de estar e que eu gosto mais. A televisão é mais excessiva, é diferente, mais grosseira nesse sentido. É muito rápida, muitas cenas. Em cinema exige um trabalho de actor mais profundo, mais pesquisa, mais rigoroso. Mas adoro as três. O que não gosto é ficar a fazer só uma das coisas. É muito porreiro ir brincando ora a uma coisa, ora a outra e tenho tido essa sorte.

O Rui é um actor de referência. Gostava de um dia entrar pela porta de Hollywood?

Não tenho essas ambições. Eu tive há muitos anos atrás um convite da Doutora Madalena Perdigão na Gulbenkian em que ela fretava uma bolsa para eu ir para onde quisesse, neste caso para o Oxy Studio e eu por medo ou falta de ambição recusei. Hoje arrependi-me. Porque a minha única ambição é viver da minha profissão e fazer o melhor possível do meu trabalho e que o público me respeite e goste de mim enquanto profissional. É tudo! Claro que sonho receber um Óscar. Obviamente e sonhar não custa nada! É uma coisa que para mim está muito longe e nem sequer está no meu objectivo. Adoraria mas não.

Que peça de teatro mais gostou de fazer e qual foi a personagem que mais gostou de interpretar?

É difícil mas gostei de várias. Talvez por ter sido marcante para a minha carreira, um papel muito difícil, o Romeu no Romeu e Julieta quando era miúdo.

Ficou muito conhecido na RTP quando fez o Alves dos Reis. As pessoas ainda o abordam na rua como sendo o Alves dos Reis?

Diariamente. Sou mais vezes reconhecido por Alves dos Reis do que por outras coisas mais recentes e que se calhar até fiz melhor do que o Alves dos Reis apesar de na altura o Alves dos Reis ter sido uma prenda muito gira. Fiquei bastante grato pelo Dr. Moita Flores se ter lembrado de mim para fazer o papel. Era um anti herói que crescia em mim desde miúdo. Eu tinha um enfabulamento daquela personagem como uma espécie de Robbin Wood. Um tipo, brilhante, um ladrão fantástico mas que não fez bem a muita gente e tentei passar de alguma forma esta imagem enquanto fiz o papel no sentido que fosse querido para as pessoas, elas entendessem o quanto fosse possível os motivos dele. Quando acabei de gravar isso eu dizia que nesse momento sentia-me capaz de tudo, dizia as maiores barbaridades com a maior segurança que a personagem me trouxe. A forma como ele fazia toda a gente acreditar dele.

Foi uma grande série de época…

Foi. Faz-me pena que não se aposte mais nesse tipo de produto. Nós temos, felizmente, muita coisa na nossa história que podemos ir buscar. Felizmente já se estão a adaptar muitas coisas que são literatura e temos na nossa história recente e não recente imenso material para ir buscar e ficcionar. Séries como esta deviam existir pelo menos com uma produção regular. Na Antinomia do Dr. Moita Flores ele arriscou e fez quase tudo de época. O Conta-me Como Foi é actualmente a única coisa em que tenho uma profunda inveja por não estar lá porque acho que é de qualidade. Cada vez mais acho que temos que fazer este tipo de produção ao contrário das novelas que é sobretudo um trabalho fabril, industrial, que nunca podem ter o tempo e a preparação necessária a todos os níveis. Pode ser um grande produto mas é claro que há umas piores e outras melhores. As séries têm a obrigação de ter uma narrativa mais concisa, de ser “menos palha”, de ser mais sedutor para o espectador. Eu próprio prefiro mais fazer séries que outra coisa.

Considera a Vingança a grande novela portuguesa?

Para mim é, sem dúvida! Para mim a Vingança foi um dos maiores prazeres da minha vida onde tive um personagem maravilhoso no seio de colegas que adoro, com quem me dei muito bem, não vou agora referir nomes, mas todos. Foi um momento rápido de televisão e de camaradagem. Um momento muito emotivo quando acabei. Custou-me imenso! Continuaria meses a fazer aquilo que o cansaço não pesava porque era uma novela muito gira.

E sempre com ritmo…

Sim. Também acho que as novelas não se devem esticar para além daquilo que é razoável mas acabou quando tinha que acabar. Até podia ter acabado um pouquinho mais cedo... mas que foi uma coisa feita com toda a dignidade e portanto foi um orgulho para mim ter sido interveniente nisso.

Esteve na RTP, SIC e TVI. Como avalia o trabalho de cada uma das estações na ficção nacional?

Muitas vezes a conjuntura artística está por detrás de 4, 5 ou 6 anos de uma estação. Tem muito a ver com as pessoas que dirigem a estação e com o projecto que estas delinearam. Em momentos diferentes todas elas fizeram um bom trabalho. A TVI tem uma vantagem porque é um canal com grande audiência e portanto os actores que fazem ficção têm outra notoriedade. Senti-me bem com os trabalhos que fiz até hoje com a TVI. A RTP tem feito coisas de grande qualidade, sobretudo séries, que infelizmente às vezes não têm a audiência e a publicidade que deviam ter. Na SIC, à semelhança da Vingança tive oportunidades muito giras. Também foi bom enquanto lá estive. Não tenho nada contra, sou freelancer para os três. Se calhar não há uma grande diferença neste momento. A diferença está mais na RTP que se tem dedicado a trabalhos de fundo. Não tem produzido muita coisa adaptada ou então produziu mas foram muito bem enquadradas.

Esteve na SIC até há pouco tempo, onde entrou em várias telenovelas e que a meu ver não foram bem tratadas a nível de programação. Saiu magoado com o canal de Carnaxide?

Sim! Saí bastante! Saí magoado e não sem bem com quem. Não consigo encontrar um responsável porque certamente houve vários. Mas enquanto pessoa, eu e mais alguns, que tivemos a defender um produto até ao fim sem culpa nenhuma de ele ter sido menos bem conseguido, das mexidas feitas na história ou o horário em que era transmitido, sobretudo, o horário, isso modificou tudo. A minha personagem era complicada, era, um psicopata e foi feita numa adrenalina constante e custa muito saber do fim a meio do processo sem sequer pedirem desculpa. Eu acho que não tinha nada a ver com os actores mas mesmo assim, custou-me muito vê-la sair do ar. Já na novela o Jogo, Ganância, O Olhar da Serpente, O Bairro da Fonte modificaram diversas vezes os horários. A novela O Jogo foi transmitida durante imenso tempo na tarde da SIC. Chateia-me um bocado. O Maurício talvez tenha sido das melhores personagens que eu tenha feito na minha vida e custa-me um bocadinho que tenha sido para deitar fora. Eu tive cenas lixadas no campo emocional e técnico e ninguém viu. Eu não trabalho só pelo dinheiro mas também pela qualidade da coisa. Vesti a camisola da SIC enquanto lá estive e vestirei a da TVI enquanto lá estiver. Tenho que acreditar no sítio onde estou e defendê-lo. É claro que há produtos que se gosta mais e outros que se gosta menos. Se compararmos a Vingança com o Resistirei prefiro a Vingança. Fiquei magoado.

Como foi fazer Feitiço de Amor?

Foi uma surpresa muito agradável porque é uma novela mais básica que esteve muito tempo em gravações, eu chego no terço final da novela, fico até ao fim e estava com medo de encontrar uma equipa demasiado cansada e desiludida. Nada disso, fui sempre muito bem recebido, a produção foi muito querida comigo, os meus colegas. Não tenho nada a dizer. Custou-me imenso que tivesse acabado porque ainda por cima fui presenteado outra vez com uma personagem tipo o Ventura que era um bocadinho um boneco mas que começa a se transformar numa pessoa e eu gosto desse tipo de personagem, é o tipo de personagem que eu acho mais giro. Um personagem diferente de mim, que não se veste como eu, sobretudo que não se veste como eu (risos) e aquele cowboy foi muito engraçado. Tive a felicidade de contracenar com a Maria João Falcão, que é uma excelente actriz e uma óptima colega, com a Maria João Luís, Maria João Abreu, Estrela Novais e Manuel Cavaco que foram óptimos colegas com quem me dei lindamente.

Vai ter um novo projecto na TVI?

De momento não sei de nada.

Qual a sua opinião sobre o actual estado da ficção nacional?

Eu acho que se faz mais, não necessariamente melhor. Acho que se tem descido um bocadinho a fasquia dos textos. Falo pelo menos do grosso da produção. Aqui e ali tens exemplos que se calhar foram mais caros e mais cuidados e que resultaram numa boa ficção. Por exemplo: o Equador, o Conta-me Como Foi… Aqui e ali tens coisas muito giras mas são mais rápidas. Dão vontade de gravar porque é daquelas coisas que vês e achas que é bom agora e daqui a 20 anos. Há outras que vês, divertes-te mas quando acaba não voltas a ver. Apesar de para nós ser divertido e ser giro fazer, não uma coisa que eu como espectador chego a casa e quero ver. Há muita ficção dessa na qual participei e que eu depois não vejo. Já tenho que fazer não tenho que ver. Faz-se mais hoje e o mercado de trabalho é maior.

O teatro está a ir num bom caminho? O que falta ao teatro?

Não sei bem o que falta ao teatro e não sei se está a ir num bom caminho porque é um caminho desacertado cada vez que uma secretária de estado e da cultura tem uma nova directriz. Ao contrário do que se diz, o teatro tem público e há públicos muito heterogéneos e ofertas heterogéneas. Há gostos e peças para tudo e felizmente há imensa malta jovem que felizmente gosta e aprende a gostar de teatro. Não posso dar aulas numa escola se houver dinheiro para pagar um horário inteiro sendo eu formado em teatro e cinema. O teatro é terapêutico para quem vê e quem faz. Faz falta investir desde a raiz o gosto pelo teatro.

Era preciso subsidiar mais o teatro. Numa companhia de teatro muitas vezes deparamo-nos com situações em que não temos dinheiro para investir em anúncios para passar na televisão ou na rádio. Isso é cada vez mais cortado e mais difícil de se executar. Falta uma boa gestão.

Estamos num ano de várias eleições. Qual a sugestão que gostava de deixar aos vários candidatos a nível de teatro e cinema?

Que pensassem que um país que não preza, não rega, não aduba a sua própria cultura é um país muito pobre. Quando se dá primazia a tudo menos a isso é grave. Não devem olhar a nossa cultura como uma coisa menor. Supostamente é o nosso alter-ego para o mundo, que nos mostra, que divulga o que é ser português. Gostava que olhassem para o teatro não como um “parente pobre”. É difícil aceitar que se gastou tanto em estádios de futebol, sabendo que tenho colegas a passar fome porque não têm onde trabalhar, meios para produzir os seus próprios espectáculos.

Quem é o Rui?

Um tipo cansado, desiludido, humilde, que ainda ama isto, que é fazer teatro, que ainda acredita que faz algum sentido ter esta profissão, que com dias mau e dias bons há 21 anos trabalha nisto. Humanamente sou muito pouco materialista, pouco ambicioso, extremamente egocêntrico porque estou sempre a dar aos outros exemplos das minhas próprias vivencias, sobretudo um bom amigo, tenho uma quantidade razoável de amigos que mantenho há décadas, sou leal nesse aspecto, sou um gajo complicado, excessivo, sentimentalista, emociono-me com tudo, sou muito nervoso mas penso mais nos outros que em mim próprio, um bocado chato às vezes, mandão quando estou a dirigir, muito seguro a dirigir, tirano entre aspas mas é por amor. A maior parte das pessoas entende e gosta. Os outros falarão melhor sobre mim do que eu próprio.

Diogo Filipe e Nuno Pereira

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